sexta-feira, 13 de abril de 2012

10/04/2012 – No alto da montanha


Hoje o dia foi separado para a minha modalidade de trilha predileta: a autoguiada. Não que eu tenha algo contra guias – sou um (por formação, não por profissão), e tenho ciência de que eles enriquecem muito a trilha, com informação e segurança. Porém, uma trilha autoguiada é ideal para se explorar o ambiente, para aprender por conta própria, para trabalhar o planejamento e a ação.

El Chaltén é a capital do trekking da Argentina e por essa referência consegue agradar a todos os públicos. Várias agências oferecem trilhas com guia e passeios mais aventureiros, como andar em glaciares. Para os adeptos das trilhas autoguiadas há diversas opções apontadas em folders distribuídos gratuitamente em hotéis e até restaurantes.

O folder mostra um croqui do entorno de El Chaltén, bem como o tamanho e tempo estimado de cada trilha. O nosso destino foi indicado pelo rapaz que nos atendeu na pousada na véspera: Lago de Los Tres.

Não quis perguntar muitos detalhes sobre o caminho, para não gerar expectativas e para poder viver as novidades que viriam. Mas precisávamos do mínimo de informação. Como a previsão da trilha era de 4 horas (somente ida), pudemos nos dar ao luxo de tomar café tarde (8 horas).

Já sabíamos onde a trilha começava e que a sinalização era boa, confirmamos o tempo, preparamos mochila com lanterna, primeiros socorros, agasalho e lanche e seguimos pelas ruas da cidade! Sim, a trilha começa nos limites de El Chaltén: a cidade fica bem no meio da parte Norte do Parque Nacional Los Glaciares. Para toda parte que você olha há uma paisagem digna de um quadro.

Gosto de vários tipos de trilha, no que diz respeito ao ambiente. Cada uma tem seu toque especial. No caso das trilhas de montanha a expectativa fica por conta de vistas de tirar o fôlego.

Para tais paisagens a trilha de montanha te cobra um preço: subidas. Aqui seu físico é testado antes da recompensa. A trilha já começou com uma subida forte. Ainda bem que no começo o ânimo e o corpo descansado falam mais alto. Foi uma subida forte até o primeiro mirante.

Sem saber do que estava por vir, já ficamos felizes de ver o mesmo vale da véspera, com o Rio de Las Vueltas. Depois de meia hora de trilha morro acima já tínhamos uma visão bem melhor. Até esse ponto a trilha corre paralela à estrada, mas nos permitiu ver o que motivou o batismo do rio. Ele corre vagarosamente por dezenas de voltas no meio de um vale com árvores de folhas avermelhadas. No entanto, suas margens amplas revelam que ele transporta muito mais água em alguma época do ano, provavelmente quando o degelo dos picos está no seu ponto máximo.

Mais vinte minutos de caminhada e terminamos essa primeira subida. Paramos em um último mirante do vale do rio das voltas e começamos a nos distanciar da estrada. Logo alcançamos a Laguna Capri. Informaram-nos que havia dois caminhos para o nosso destino. Havia um mais curto, em que iríamos de carro até um ponto da estrada e esse que tomamos, que saia da cidade e acrescentava duas horas ao percurso. Pelo caminho longo ganhamos o mirante e também conhecemos essa bela laguna.

Laguna Capri é o primeiro ponto de acampamento selvagem que conhecemos na região. Um lugar belíssimo, composto por uma vegetação densa em volta de uma grande lagoa refletindo o imponente cerro Fitz Roy, com direito à ampla área de camping selvagem perto de uma prainha. Várias pessoas se contentavam em andar até a Laguna, mas nosso destino era além.

Andamos por aproximadamente uma hora e meia em um terreno menos íngreme. As subidas e descidas eram suaves. Por vezes víamos o vale do Rio das Voltas, mas estávamos nos distanciando dele e nos aproximando do cerro Fitz Roy, que também aparecia esporadicamente. Agora estávamos por dentro de uma vegetação mais baixa. O tempo estava aberto, mas o calor não era intenso. Isso ajudava bastante a caminhada.

Passamos por vários rios com pouca água – mas mais uma vez com margens largas. A estrutura da trilha é muito boa, havia pontes em todos os cruzamentos de rio e a trilha era bem marcada, não havia como se perder.

Na quarta área de camping tínhamos o último ponto de apoio. Banheiro “natural” e ponto para pegar água. A placa já avisava que a trilha à frente era difícil, em terreno instável (leia-se pedras soltas). Não precisamos andar muito para perceber outro detalhe que a placa omitiu: era bem íngreme.

A marcação da trilha continuava impecável. Nesse ponto estávamos andando a mais de 3 horas e meia e a subida estava judiando. Mas tínhamos o objetivo de chegar ao lago e o cansaço era um mero detalhe.

O visual melhorava enquanto subíamos, mas não tínhamos idéia de quanto ainda estava por vir. As paradas ficaram mais frequentes. No começo o motivo era o cansaço. Mas logo a montanha nos deu outro motivo para parar: neve.

Estávamos próximos daqueles pontos brancos que víamos lá debaixo. Mais do que água pura da montanha em estado sólido, logo se tornou brinquedo para crianças crescidas que não tiveram contato com neve antes. Tinha neve a vontade, suficiente para matar a sede (só jogar groselha e virava uma ótima raspadinha), aliviar o calor provocado pela subida íngreme, jogar nos amigos e em um ponto com bastante neve o Helber pode até fazer um “anjo”. Bom, era bastante neve mesmo. Havia pontos onde ela ia até o joelho!

Esses momentos de descontração nos reanimaram para continuar a subida. O último trecho não tinha sinalização, mas nesse ponto já estávamos perto de muito gente com o mesmo destino. Cada um andava em seu próprio ritmo, às vezes passávamos um grupo, às vezes nos passavam. Havia pessoas e grupos de todo tipo. Havia o pessoal mais descolado, caminhantes bem experientes, jovens, pessoas de mais idade, homens, mulheres, adolescentes... Uma verdadeira democracia com o único objetivo de ver o Lago de Los Tres.

À última subida descortinou esse local tão esperado. E tão fantástico. Um lago de águas cristalinas, aos pés do cerro Fitz Roy, cercado por neve. O Sol forte completava o visual, coroando a nossa vitória pessoal de subir tanto. Um visual ímpar – nem palavras e nem fotos conseguirão dar a dimensão desse lugar. Nos demos cerca de vinte minutos para comer algo e contemplar o lago. Não poderíamos nos demorar demais pois o pessoal que ficou (pais do Helber e o Renan) nos esperavam com um almoço caseiro. E certamente estouraríamos a previsão que o Helber deu.

Gastamos quatro horas e quarenta entre a subida as paradas para foto e descanso. Saímos de lá com cinco horas de percurso. A idéia era que a descida seria mais rápida! O trecho mais íngreme agora era o primeiro. Enquanto descíamos vários grupos ainda subiam. Creio que parte deles estava acampado próximo ao lago e outra parte pegou a trilha mais curta. Pela hora se alguém não estava nessas condições chegaria à El Chaltén no escuro...

A descida não chega a ser entediante, mas não é tão espetacular quanto a subida. Agora o objetivo era descer o quanto antes para comer uma bela macarronada. Nessa altura era uma motivação tão grande quanto a lagoa.

Ir morro abaixo era mais fácil, mas as três horas de descida também exigiram seu esforço. Aí um erro de cálculo nos deixou sem água a cerca de uma hora da cidade. Não era grande problema. Até passamos por alguns riachos mas preferimos acelerar a descida e parar em uma das tendas estrategicamente localizadas perto do fim da trilha.

Na rotisseria fomos bem recebidos -  o dono já está acostumado à receber aqueles que chegam sedentos ou famintos. O fato de sermos brasileiros nos rendeu alguma conversa, já que ele conhecia vários que passavam a temporada – alguns por meses – em El Chaltén. Um quadro dava uma provocação da única rivalidade que o povo argentinos têm com os brasileiros: “Pele es el Rey, pero Diós es argentino”.

A refeição foi merecida, bem como o descanso que o sucedeu. Mas não era dia para dormir cedo. Teríamos um longo dia de estrada pela frente, mas nos despedimos de El Chaltén no mesmo bar em que almoçamos na véspera. A cidade tem muitas opções de comércio apesar de ser bem pequena, mas elas só ficam abertas na temporada. A partir de Abril reina a paz nessa cidade de apenas 500 habitantes...

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