sábado, 21 de abril de 2012

17/04/2012 - Villarica


Finalmente o grande dia chegou! Pucón foi incluída no roteiro por causa da subida ao vulcão Villarica e esse era o único dia em que teríamos chance. Digo chance porque nem sempre o tempo ajuda. Mas o nosso primeiro contra-tempo não foi o tempo. Ou melhor, foi, mas não o da metereologia.

O Chile não está no mesmo fuso-horário de Brasília ou de Buenos Aires. O horário normal deveria ser uma hora atrasado em relação ao horário de casa. Mas o Chile estendeu o horário de verão até o fim de abril, igualando o horário de todo o nosso percurso. Eu sabia disso, você sabe disso, mas o meu celular não sabia disso.

Ao invés de acordarmos às 5:15, levantamos uma hora depois com transporte combinado para 6:30. Foi uma correria só e alguns procedimentos matinais tiveram que ser cortados, como o café da manhã. Foi tempo de se arrumar, preparar o lanche de trilha e voar para a van.

A operação era apressada, a fim de começar o passeio o mais rápido possível. Logo outras pessoas foram apanhadas e fomos para a agência pegar o restante do equipamento. Percebemos que as agências compartilham o transporte para o vulcão, eu e o Renan ficamos em uma van, o Helber e o Alexandre na outra. O Victor desistiu da empreitada, mais tarde soubemos que por um bom motivo...

Já passava das 7:00 mas ainda estava bem escuro. Parte do lanche da trilha virou café da manhã, já que a trilha seria bem exigente. Chegamos ao início da trilha antes do Sol aparecer. O céu totalmente estrelado em nada lembrava a véspera nublada. E a previsão do tempo era a mesma para os 2 dias!

Aqui tínhamos duas opções: acrescentar uma hora e meia de subida em areia fofa às cinco horas já previstas ou pegar o teleférico pela bagatela de 6.000 pesos chilenos (algo como 30 reais). Preferimos economizar energia nessa hora e fomos pelo teleférico.

Embora tope muitas atividades que envolvem altura, eu e ela não nos damos muito bem, e isso se manifesta em alguns momentos. Foi o caso do teleférico, pela simples ausência de uma trava de segurança. Creio que o pessoal que usa o teleférico para esquiar nos meses mais frios não se incomode nem um pouco com isso, mas isso me rendeu uma dose maior de adrenalina no percurso. No final até estava divertido...

Daqui pra frente não teríamos mais apoio. Estávamos à aproximadamente 1800m e precisávamos chegar aos 2800m do topo. Logo a trilha mostrou o motivo de ser tão desgastante: ela é morro acima o tempo todo. Já fiz algumas subidas de montanha, e em vários casos temos trechos planos (ou quase), às vezes até descidas antes de uma nova subida. O traçado da trilha era sempre íngreme ou muito íngreme.

Por conta disso os guias montam vários pontos de parada. Outro efeito, já previsto, era a de divisão do grupo. Estávamos em 10 pessoas e 3 guias, isso não seria problema.

O primeiro ponto de parada foi em uma estação de teleférico desativada. Ela foi destruída na última erupção do vulcão, na década de 80, e hoje serve apenas como refúgio para os escaladores em caso de mau tempo. Não seria o nosso caso: o céu estava limpo, o Sol já ardia e até o vento constante deu uma trégua. Dia perfeito para a subida!

A próxima parada já foi aos pés do glaciar. Sim, entre nós e o topo do vulcão havia uma geleira. Esse é o ponto mais crítico da subida. Os guias repetiram as instruções de segurança e avisaram que se alguém não estivesse andando com firmeza seria retirado da trilha. O motivo era nobre: a vida. Nessa parte o risco era altíssimo e não tínhamos o direito de errar.

Pegamos mais equipamentos na mochila. Para os pés, os já conhecidos “grampones”. O passeio pela geleira Perito Moreno nos deu familiaridade com eles, ajudou bastante. Para as mãos, um importantíssimo equipamento de segurança: o piolet. O uso correto dos dois era a diferença entre a vida e a morte, e eu não estou exagerando quando digo isso.

Andar com “grampones” exige mudar a passada. Mover as pernas próximas demais pode fazer com que se prendam na sua calça e você caia. Segundo os guias esse é o acidente mais comum. Manter os pés afastados também aumenta a sua base de apoio, diminuindo a chance de queda. O passo tem que ser bem firme para que as garras se fixem bem no gelo. Creiam-me, duas horas de passadas firmes cansam.

O piolet também ajuda no equilíbrio. Ele parece uma picareta pequena e há um único jeito certo de usar. Deve ser mantido sempre na mão mais próxima da parede (na direção do topo), com a ponta virada para trás, e a mão pegando-o firmemente por cima. Como subimos em zigue-zague o piolet é passado de uma mão para outra o tempo todo.

Caso nada disso garanta o seu equilíbrio, só te resta o auto-resgate. E para isso temos que nos preocupar novamente com esses equipamentos. A primeira orientação do guia é para os grampones. Quando caímos temos a tendência natural de usarmos os pés e as mãos para nos segurar. Nesse caso temos que contrariar nosso instinto e levantar os pés. Os “grampones” propiciariam uma parada rápida demais, com risco de quebrar pés, pernas, ou até ser fatal. Esse foi o motivo de uma das fatalidades de um mês e meio antes.

Se não podemos parar com os pés, só as mãos podem ser usadas para parar a queda no gelo. É nisso que a correta posição do piolet faz diferença. Em uma queda ele deve ser pego com ambas as mãos e deve ser fincado fortemente no gelo, o que o fará parar. Depois de parar você pode fincar os grampones e voltar a ficar em pé.

Isso é tão crucial que todos treinam a queda o auto-resgate antes de subir. Já adianto que não vi nenhuma queda em nenhum grupo nas duas horas de subida. Mas a geleira foi cruel com várias pessoas. A caminhada é realmente dura e várias pessoas desistiram nesse ponto. Duas pessoas do nosso grupo e um dos guias ficaram logo no começo. Quem persistiu testou a força de vontade.

Estávamos longe do topo, mas a vista já compensava o esforço. Pucón fica em uma extremidade de um lago quase retangular. A cidade de Villarica, maior e mais antiga, fica no lado oposto. Conforme subíamos novos lagos, cidades, vilas, morros e vulcões eram acrescentados ao visual. As paradas faziam bem para o corpo, sedento por água e descanso, e também para a mente.

O fim do glaciar não era o fim da subida. Ainda faltava mais de uma hora pela frente. Sacamos os grampones, mas o piolet ainda ficou à mão. Não teria mais a função de segurança, mas ajudaria a subir uma trilha feita de pedras soltas. Volta e meia alguém gritava “rocks” ou “rocas”. Aqui o equipamento de segurança mais fundamental é o capacete, embora também não tenha acontecido qualquer ocorrência nesse trecho.

A altitude e o cansaço das horas de subida diminuíam a cadência dos passos. O guia tentava nos incentivar gritando “Vamos Brasil”. Parou com a brincadeira quando respondemos com “Vamos Chile”. O desgaste não escolhia nação.

A chegada ao topo foi suada. Muito suada. Mas a recompensa era grande. Estávamos perto daquela fumaça que víamos de tão longe. Felizmente o vento era constante e pudemos ficar lá por meia hora. Infelizmente não era possível ver o magma, isso acontece só em certas ocasiões.

A vista do entorno também era um prêmio pela subida. Há vários vulcões na região e de lá conseguimos avistar a maioria deles. Inclusive o Lanin. O maciço com mais de 1Km de altura parece tão pequeno à essa distância. Mas fica uma opção para outro passeio na região...

O dia ainda não acabou. Ainda temos a descida, que é tão difícil quanto a subida. Infelizmente não podemos fazer como um aventureiro fez meses antes: saltou de para-glider do topo do vulcão e desceu na praia do lago de Pucón. Sem essa opção voltamos pelo mesmo caminho por onde viemos.

As pedras soltas eram mais cruéis na descida do que na subida. Para subir você precisa de força. Para descer acrescente uma boa dose de atenção. Mas mesmo assim de vez em quando um escorregão era seguido de uma pedra morro abaixo.

O terreno era tão íngreme e instável que eu parecia fazer mais força pra descer do que pra subir, tamanha era a tensão. Foi uma descida vagarosa, com o incentivo do guia “No tengas miedo, se tienes miedo es peor”. Pois é, cá estou eu enfrentando meus medos ao invés de ser escravo deles.

Depois dessa descida o glaciar foi fichinha. Não que eu tenha atingido um novo patamar de caminhada. Mas sim porque a descida era de ski-bunda. Colocamos nossos equipamentos: Mais uma camada impermeável além da calça e um plástico à postos para os locais onde a rampa não escorrega tão bem.

As instruções eram: mantenha o controle friccionando a base do piolet na sua esquerda.Se alguém estiver parado à sua frente ou se houver uma pedra, use o mesmo movimento do auto-resgate para parar.

As 2 horas de subida foram convertidas em minutos escorregando. Já havia uma pista formada, para não pararmos no lugar errado, e com isso todos tomavam o mesmo caminho. Foram várias paradas de emergência, mas ainda assim as trombadas eram inevitáveis. Ainda bem que a mochila ajudava nessa hora. Tivemos duas passagens de vias, uma um pouco mais tensa pois estávamos andando como que na divisão de um telhado: era rampa para os dois lados. Aqui caberia uma corda de segurança, mas segui com o que tinha, sem olhar para baixo.

A última rampa era a mais rápida, mesmo colocando o máximo de freio. Nessa altura já descia bastante água junto com neve e conosco. A brincadeira foi muito legal, valeu a pena! Mas tem seus inconvenientes. A proteção impermeável das polainas e da calça tem seu limite. Com o tempo o gelo venceu essas barreiras e entrou, principalmente, dentro da bota impermeável.

Ao fim do ski-bunda tínhamos uma motivação à mais para andar: aquecer os pés. O caminho passou a ser o mesmo da vinda: cheio de pedras, mas firme. Só não tínhamos o teleférico para descer. Seguimos pelo caminho de areia fofa, com a certeza de que valeu a pena subir pelo teleférico. Esse trecho era como uma grande duna. Para descer conseguíamos amenizar o esforço como que pulando um pouco mais adiante e caindo na areia fofa. Quem já subiu uma duna a pé sabe que o esforço no sentido inverso é bem maior.

Famintos, exaustos, mas ainda vivos voltamos todos para o hotel. A dona Dolores preparou-nos um ótimo almoço de despedida. Apesar da jornada continuar para o Renan, o Alexandre e para mim, o Helber e seus pais voam para Sampa já no dia seguinte. E o Victor nos deixa às 19:30 pois precisa ir à uma cidade na região continuar sua vida jornalística. Foi um fim de tarde de despedida, terminando de por o papo em dia e conversando sobre economia ou política quase como antigamente.

À noite rolou outra despedida, já sem o Victor. Rodamos uma Pucón vazia atrás de algum barzinho com algum movimento. Paramos no bar ao lado do hotel para os últimos pisco sour com palomitas. Não deu para esticar mais que isso, o dia seguinte seria longo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário